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Bons Costumes

Novembro 17, 2011

Tenho de admitir que tenho algum orgulho na minha alma mater, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A UNL pode ser a 6ª melhor universidade do país mas é a melhor aqui no meu coração porque, bem, lá vai a nova, com sininhos e balões, et cetera.

Foi onde me licenciei e onde hei de conquistar o título de Mestre. Foi onde conheci grandes profissionais, pessoas integras e de ética exemplar que, com um sorriso ou um ar carrancudo, foi além do seu dever para nos ajudar – a nós, mafarricos meio-putos e ingratos!

Foi onde fiz amizades, onde errei e aprendi. Onde comecei, realmente, a pensar, a dar valor à Educação, minha e dos outros.

E é por isso que me feriu tanto a triste cena a que assisti há uns escassos dias.

Há um certo ser humano, docente, de currículo duvidoso e claramente favorecido por nepotismos, que é o infeliz protagonista desta miséria. Não irei nomear nomes nem géneros, claro, porque eu sei como isto funciona, mas não esconderei o relato do que vi.

Esse individuo aproximou-se de um outro individuo, aluno de Erasmus, convidado na minha Faculdade, e sob pretextos fracos e cliché, meteu conversa, procedendo então, de forma patética, engatar o dito aluno.

O docente lá desistiu, mas ficou o nojo – pelo menos comigo.

Há algo de sagrado entre um professor e um aluno, um laço de confiança e uma responsabilidade de poder. Somos todos adultos ali, claro, mas não iguais. Abusar da posição de poder e da clara fragilidade do aluno, ainda por cima de Erasmus, é revoltante e uma nódoa no estandarte da FCSH.

 

Se antes já não gostava do dito docente, agora não o tolero.

Ode Suzerana

Novembro 16, 2011
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Seu eu pudesse capturar

na sua mais fina forma

o feixe de luz mais áureo

mais brilhante

mais quente

do pico do Verão

seria baço e frio

perante teus cabelos.

 

 

E seu eu pudesse roubar

a gema mais cobiçada

e ter em mãos

o mais reluzente e límpido tesouro

seria cascalho perante teus olhos.

 

 

Se me fosse dado

a mais suculenta fruta

da mais viçosa árvore

dos mais verdes campos

do mais doce país

recusa-lo-ia

perante teus lábios.

 

 

Se visse, retirado dos baús de um imperador esquecido,

o mais gentil tecido

de essência de borboleta,

mares de neve

e suspiros de ninfa

ignorá-lo-ia

perante tua pele.

 

 

E se eu entrasse

na mais arcana das salas

onde estão todas as paixões,

todas os desejos, todos os amores,

todos os corações

Roubaria o meu para to entregar.

Cintos

Outubro 26, 2011

“Não tens nada para comer em casa? Nem um iogurte?”

São palavras que oiço, sem querer, de um homem como qualquer outro que numa mão carrega o Diário Económico e na outra um velhinho telemóvel NOKIA. Era através desse pequeno aparelho que conversava com, pelo que percebi, a filha de tenra idade. Silencioso, o Diário Económico estava encravado numa página onde um ex-chefão do FMI dizia que a austeridade era o caminho a seguir. Ou então não. O título e o subtítulo pareciam contraditórios.

Mais detalhes só especulando e por isso viro-me agora para algo concreto: estou farto de ver burocratas agarrados a tachos bem-lambidos e a dizer ao Zé Povinho que é preciso apertar mais o cinto. Gente com reformas (plural), subvenções, cargos de chefias e mordomías inumeráveis que têm a lata de ditar, esparramados no seu luxo quais paxás, que há que tirar comida da boca do povo para endireitar a economía. Que ousam exigir mais sacrificios enquanto usufruem de beneces como subsídios por terem o “lar” fora de Lisboa enquanto possuem casas perfeitamente boas na capital.

Ainda alguém se lembra do Passos Coelho andar a dizer que ia cortar nas “gorduras do Estado”? Eu sempre assumi, ingénuo, que se referisse às contas desalinhadas, às fundações privadas alimentadas com dinheiros públicos, às infinitas mordomias dos deputados e membros do governo, às dívidas privadas assumidas pelo Estado, quer para ajudar bancos quer através da desastrosa ideia das PPP, ou algo do género. Mas não. Afinal as “gorduras” são os subsídios, as reformas míseras, o IVA tão baixinho para tanta coisa ou o preço dos transportes.

Mais alguém apanhou aquela comentadora horrorosa na SICN a dizer que se devia acabar com os subsídios de natal e de férias de vez, distribuindo os valores por 12 ordenados? De acordo com a senhora, os subsídios de férias e natal acabavam por ser usados para pagar contas em atraso, comprar este ou aquele electrodoméstico, etc.

Mas esta senhora esquece-se que esses não são os propósitos dos subsídios de férias e de natal. A razão destes subsídios é permitir ao trabalhador descansar, de realmente ter férias ou um natal. O facto de serem utilizados para complementar as receitas familiares é um sintoma de que o ordenado, por si só, não chega. Que com os rendimentos que têm, uma família não consegue fazer uma vida descansada, com qualidade.

Pegar nos putos e levá-los a passar um par de dias ao estrangeiro ou uma semana num ponto mais agradável de Portugal não é um luxo. Poder descansar depois de meses a dar o litro todos os dias não é um luxo. Poder ter um natal com umas prendas, um belo bacalhau e uns pratos de rabanadas e filhoses não é um luxo. É suposto trabalharmos para viver, não vivermos para trabalhar!

Cul d’Etat

Outubro 17, 2011

Começa a detectar-se um certo receio por parte do membros do Governo e da burguesia. Aqui e ali, em colunas de opinião nas páginas finais dos diários, em relatórios, em blogues, começam a surgir focos de inquietação. Fala-se cada vez mais em manifestações, em contestações, em protestos, e aqueles que outrora aplaudiram a agora apelidada Primavera Árabe vêm agora, alarmados pela possibilidade de uma Primavera Ocidental, tentar dissuadir os que mais sofrem de se queixarem.

Uns fazem-no através de ameaças, outros com promessas de que melhores dias virão, outros a dizer que o que é preciso é andar para a frente e os putos de hoje deviam era ir trabalhar. Afinal, as revoluções e mudanças de regime davam jeito quando eram lá, naqueles países atrasados construídos nas dunas. Com sorte ainda dá para lá fazer uns investimentos e tal…

Mas agora que é nas ruas deles (nossas?) que o povo se manifesta, quando são as injustiças perpetuadas por uma casta cleptocrática que salta de tacho em tacho, quando são eles os acusados de serem monstros, de conduzirem gerações ao degredo e à miséria, já não gostam. Chamam-se cargas policiais, encomendam-se relatórios sobre a serenidade do povo, aperta-se ainda mais nos meios de comunicação para abafarem o verdadeiro volume e dimensão dos protestos (no espaço de minutos vi o número de pessoas relatado na vigília do protesto do passado dia 15 passar de 200 para menos de 20), ameaça-se e coage-se, faz-se tudo para tentar acalmar o povinho. Talvez mais uma dose de Goucha resultasse? Ponham o gajo a apresentar a Casa dos Segredos enquanto se joga um Porto-Benfica ao pé da piscina. Aí é que ninguém via as notícias!

O Governo ter medo do Povo é o estado natural das coisas. Não há nada mais eficaz para a vitalidade da democracia e da liberdade do que toda a Assembleia da República ter um ataque de caganeira induzido pelos nervos sempre que alguém sugere tirar comida da boca das pessoas para encher o cú a gulosos.

Cosmopolitaine

Outubro 14, 2011

Quando se fala numa Capital, assumem-se certas coisas. Vêm à mente imagens de Picadilly Circus, os canais de Amsterdão, vastas ruas pejadas de gente e, acima de tudo, multiculturalidade. Uma capital é cosmopolita, um cruzamento de culturas, línguas, religiões, etnicidades, política. É uma singularidade fervilhante de pontos de vista diferentes, de fusão e mistura e, em ultima análise, criação, de arte e filosofia, de vanguarda e experimentalismo.

Mas não Lisboa. Lisboa é linda, mas reclusa. Um pouco o espelho de cicatrizes velhas que perduram ainda no inconsciente popular, empurra tudo o que é diferente para a sua perifería, para a “Grande” Lisboa. Todos os dias há uma onda de imigrantes suburbanos que invadem e depois abandonam Lisboa, um ritual diário que se repete sempre que o sol se levanta ou põe. Entram e saem sempre sem lhes ser permitido deixar marca no fino (em termos de qualidade mas também densidade) tecido cultural Lisboeta.

E Lisboa é mais pobre, mais oca, por isso.

Lisboa precisa de deixar para trás velhos e maus hábitos. Trocar o xaile por uma écharpe, fazer o buço, meter uma saia curta e deixar que outras mentalidades tracem os seus dedos pelas ruas e avenidas da capital, deixando para trás o doce ardor da multiculturalidade que contagia e potencia a vida em qualquer capital europeia.

 

Lisboa precisa de fazer Erasmus.

Frágeis Expectativas

Setembro 28, 2011

Escrevi há tempos sobre censura e desde então tenho pensado mais a fundo sobre a natureza da informação em si. Cito-me ao dizer que “Censurar não é só apagar. Modular, total ou parcialmente os factos, é também censura[.]” mas agora coloco uma questão: será possível transmitir, ou sequer adquirir, informação sem a modular? E o que é informação?

Poder-se-ia dizer que informação são factos, puro e duros, mas sem um observador para os constatar, não existe informação. É dizer que se uma árvore cai na floresta, a energia cinética do impacto com o chão perturba o ar à sua volta, criando um distúrbio das moléculas e átomos que, se ali estivesse um ser humano, seriam captadas pelo seu ouvido interno e, uma vez interpretadas pelo córtex auditivo, seriam identificadas como o som de uma árvore a cair. Esse ser humano estaria então informado de que tinha caído uma árvore na floresta. Mas sem lá estar alguém, é como se a árvore nunca tivesse caído – não existe informação porque ninguém está ciente dela.

Esta dependência do aparelho cognitivo humano significa que toda a informação está sujeita, para existir sequer, aos caprichos do observador, aos seus preconceitos e juízos já formados quanto ao mundo que o rodeia.

Voltemos então ao exemplo do ser humano (chamemos-lhe Inácio) que estava na floresta, fazendo sabe-se lá o quê, quando ouviu uma árvore a cair. Inácio ouviu algo e o seu cérebro diz-lhe “Inácio, isto soa-me a uma árvore a cair. Digo isto porque já ter ouvido o meu quinhão de árvores a cair no meu tempo e porque estamos numa floresta”. Mas Inácio não confirmou por outras fontes (ir até à árvore, vê-la, tocar-lhe, etc) que tinha realmente caído uma árvore. Para mais, Inácio olha à sua volta, vê pinheiros, e pensa: “Epá, deve ter sido um pinheiro velho que caiu”. Quando chega a casa, Inácio vira-se para o amigo, Teodoro, e diz-lhe “Vê lá, pá. Tava na floresta e ouvi um pinheiro a cair. Devia ser enorme porque pregou-me um cagáço de morte!”.

E se a verdade era que uma equipa de carpinteiros numa oficina na floresta estava a construir uma balsa quando o suporte rachou e a embarcação caiu? Era impossível Inácio saber isso. O seu aparelho auditivo captou algo e a sua mente interpretou-a, não enquanto “som de madeira a embater no solo” mas “pinheiro velho que caiu”. O ambiente, a educação e o passado de Inácio influenciaram de forma total e derradeira a informação sensorial que captou, tecendo imediatamente a narrativa mais plausível a partir de uma quantidade minúscula de estímulo.

Mas o que interessa que Inácio esteja enganado? Interessa porque, como diz o povo, quem conta um conto acrescenta um ponto, e todos nós acrescentamos inúmeros pontos. Toda a informação que nos chega, quer em primeira quer em segunda-mão, é manipulada e decorada pela mente humana, dada contexto e plausibilidade de tal ordem que até nos esquecemos que foi inferida e acabamos por acreditar ser verdade.

Quanto mais complexo o estímulo, mais emaranhada a informação que recebemos, pior. Aplainamos tudo, simplificamos. Passamos o ferro de engomar da experiência, dedução, preguiça e medo pelas rugas do complexo, do incompreensível.

Lembranças e Vaidades

Junho 19, 2011

Há cerca de meio ano tive eu outro blog: o London in the Fall. Criei-o com o objectivo de nele detalhar a minha experiência de Erasmus mas depressa fiquei tão perdido no rodopio da vida de Londres que me esqueci por completo do blog. Havia simplesmente demasiado. Demasiadas coisas, demasiado depressa. Mas lembrei-me de, quase no último dia antes de voltar para terras Lusas, fazer um pequeno testamento à minha vivência na grande capital britânica.

Ficou bastante bem escrito. Dá-me orgulho, a maneira como coloquei, de forma compacta, concisa e directa as minhas experiências em Londres. E é por isso que aqui o volto a postar, para partilhar e para que nunca se perca.

 

“Sunset Over Waterloo Bridge”

  This is a nearly empty blog. Why? Well, for one, I could say my ambition to detail every aspect of my experience as a foreign Erasmus student living and working in London in written word was too ambitious. It seemed almost insulting to sit down and write about trivial, every day things – but it is the sum of such nigh-instantaneous minutia that comprises my experience.

  Should I have written about the friends I made, now nearly all back to their respective homelands, only to return when I am no longer here? What would I write about? Fran’s delicate concern for others? Mathieu’s constant egging for new Portuguese curse words? Sabrina’s incisive sarcasm? But they’re much more than that. How to distill every little moment into simple words?

  Maybe I should have written about the city. It’s mish-mash of ancient and ultra-modern architecture, tangible attitude of “work hard, play hard” and its well-deserved place as paragon of what a cultural crossroad is like? But London’s more than that – and less than that. Without its people, it is but a collection of roads and buildings.

  Perhaps, then, I should have written about the people of London. The curse-spouting moms with their baby trolleys, the charity worker that spots you with a smile as you try to evade them, the businesswoman trying to ride a bycicle through the Strand in high-heels, the jolly drunkards that strike up a conversation with you over cocumber sandwiches in London Bridge’s train station? Words alone cannot convey it. I cannot share this with you. Perhaps I can share the seeming of it, the barest concept, and that seems unsatisfactory.

  This blog’s emptiness is perhaps the greatest testament to the fractal immensity of my scarce four months in this city and how involving it is. I would not say I am a different man. That would be a mistake. Instead I should say that I leave London feeling more like myself than ever before.

  I arrived with nothing and I leave with everything.

Censura

Março 16, 2011

Nunca gostei do conceito de censura. Primeiro por todas as histórias que ouvia dos meus avós e dos meus pais sobre os tempos da ditadura. É-me impossível pensar em censura sem me lembrar que fazia parte de todo um aparelho cujo propósito era controlar, filtrar e manipular informação. Segundo por experiência própria porque a censura ainda está entre nós, escondida por detrás da façada da vivência numa sociedade justa e democrática.

Dou-vos já um exemplo: a manifestação do passado dia 12 de Março de 2011. Eu estive no meio de uma multidão que enchia, passeios e estátuas e ruazinhas secundárias incluídas, o caminho todo desde o Marquês até ao Rossio. Tudo cheio de pessoas, de cartazes, palavras de ordem, música. E que cobertura mediática recebeu? Onde estão os analistas políticos? Os paineis de análise nos canais ditos “de notícias”? Onde estão os políticos a acotovelarem-se para darem o ar da sua graça no jornal das oito? Onde estão as imagens aéreas de uma multidão que encheu avenidas, ruas e praças?

Quem lá esteve, e tem idade para isso, disse que não via nada do género desde o 25 de Abril. Duzentas mil pessoas marcharam durante pelo menos quatro horas em Lisboa e entregaram as bem-fadadas folhas com a razão do seu descontentamento e as suas soluções. E foi um movimento laico, apartidário, com direita e esquerda ombro-a-ombro porque a crise morde todos independentemente de em quem votam.

O que os meios de comunicação social fizeram foi, aparentemente, usar nada mais que planos fechados, minimizar o impacto do protesto e apressarem-se a encher o tempo com futebol para entreter as massas e desastres alheios para mostrar que as coisas podiam ser ainda piores por isso o melhor é uma pessoa não se queixar.

Censurar não é só apagar. Modular, total ou parcialmente os factos, é também censura. Mas omitir ou distorcer os factos tem um nome: mentir.

Censurar é mentir.

Quando não nos mostram imagens de uma guerra porque é “demasiado chocante”, é censura. E é mentir, porque estas coisas aconteceram –  e uma coisa é a opção pessoal de não querer ver e outra é retirar essa escolha ao simplesmente omitir informação de raiz.

E há alguma justificação para a censura? Acho que não. O mundo em que vivemos é o mundo em que vivemos. Os factos são os factos. Se são desagradáveis, se ferem as nossas sensibilidades, se nos ofendem, então temos de reconhecer isso e mudar as coisas. Censura é inútil (cada vez mais num mundo onde a informação é mais e mais fácil de transmitir) quer por parte de quem a escolhe quer de quem a impõe. É varrer o pó para debaixo do tapete, fingir que está tudo bem enquanto os problemas se agravam mais e mais.

SE5 9LN

Fevereiro 25, 2011

Foi o meu lar durante cerca de cinco meses, mais dia menos dia. Tinha outros nomes: Liberty Fields, Camberwell, Lambeth, London, mas qualquer que fosse o nome, foi o meu lar, e continua a ser.

Quando cheguei àquela terra distante pareceu-me tudo estranho, fictício até, saído de um filme. Todos falavam uma língua que eu conhecia, e bem, mas que tão raramente tinha ouvido falar numa situação mundana. Não há aulas de inglês suficientes para substituir a experiência de usar a língua enquanto ferramente e interface constante com o mundo à nossa volta.

Era um mundo estranho mas depressa se tornou o meu mundo. Era um mundo simples mas cheio de detalhes, um mundo rápido mas estruturado. E agora que voltei sinto falta dele. Mas não sinto falta de tudo ao mesmo tempo. É estranho.

Sinto falta de sair da cama num dia enevoado, tomar um banho quente no meu diminuto poliban, pôr um casaco quente nos ombros e sair para entre os edificios onde me juntava aos meus companheiros, cada um de país diferente, num cigarro e numa chávena fumegante de Earl Grey com leite magro.

Sinto falta de serem quatro da manhã e debater o futuro do marketing com um ucraniano que nunca vi sem uma lata de cerveja na mão, engendrando maneiras de tornar a música legalmente grátis e ainda conseguir produzir lucro ou tentanto adivinhar o que iria um dia substituir o telemóvel.

Sinto falta de fazer o caminho todo desde a universidade até à paragem do autocarro, pela Strand fora, cruzando a Waterloo Bridge, só porque me apetecia, só para ver o sítio, as pessoas, o ar, a atmosfera da cidade.

Sinto falta de sair de uma discoteca às duas, três da manhã e ver-me no meio de uma cidade viva. Não só acordada, não só iluminada: viva. Uma cidade onde as pessoas ainda caminham, ainda se riem, conversam. Onde os restaurantes, bares e tascas ainda estão abertos e a funcionar, onde há algo para fazer.

Sinto falta de viver num sitio cosmopolita, uma encruzilhada do mundo, rodeado de todos os tipos de pessoas, línguas e culturas. De entrar no metro e ouvir falar todas as línguas menos o inglês, de estar num sítio onde vivem dez milhões de pessoas e mesmo assim posso entrar no take-away chinês e a senhora lembra-se de mim e de que gosto de comer com pauzinhos.

E sinto isso ainda mais quando olho à minha volta, onde vivo, numa cidade – uma vila! – dormitório na periferia de uma aldeia do tamanho de uma capital que fecha portas às oito da noite e põe uma mantinha no colo enquanto vê telenovelas.

Agora

Fevereiro 24, 2011

Não gosto de dormir. Bem, isso não é inteiramente verdade. Não gosto de adormecer, custa-me a adormecer. Todo aquele processo de estar na cama, no escuro, à espera de ficar inconsciente é a minha antítese. Só lá vou com a televisão ligada, com música a tocar, a ouvir rádio, ou até com o white noise de uma ventoinha, um ar condicionado, ou até um ficheiro mp3 da coisa.

Cheguei à conclusão que é porque sou impaciente. Nunca gostei de esperar e parece que nem gosto de esperar para adormecer. Não é a espera em si que me faz confusão, que me causa uma ansiedade miudinha: é não ter nada para fazer. Eu não me importo de esperar, desde que tenha algo com que me entreter.

Ligo isto ao facto de gostar imenso do presente. O passado já foi, é algo que só existe nos ecos a que chamamos memória e com o qual só se podem fazer duas coisas: aceitar e aprender. O futuro é o que há de ser, a mudança de estado do presente – que é constante. Então afinal eu vivo mesmo é na transição constante de um momento para o seguinte, um pé no conceito de “presente” e outro no de “futuro”. E se é aqui que estou, então vou aproveitar ao máximo – e estar à espera sem fazer nada não se encaixa nesse objectivo.